Como foi possível chegarmos até aqui, sem as decisivas respostas penais contra os assassinos de 25 de Novembro, numa evidente banalidade às vidas humanas e clara violação aos fundamentais princípios dos Direitos Humanos? A assinalar, dentro de duas semanas, os dois anos de algo estranho e de difícil compreensão, esta deveria ser a questão racional de exercício mental da nação.
Então, vale o regresso ao sítio e aos protagonistas da data. O 1º ministro de São Tomé e Príncipe, na época, uma dezena de dias de governo, enquanto líder do partido ADI, vencedor das eleições legislativas e autárquicas distritais/regional, ganhas dois meses antes, no dia 25 de setembro, com a maioria absoluta, não contestada pela oposição, após uma noite de tiroteio com o pânico, decorrente nas populações circundantes ao quartel das Forças Armadas, propagado pela rapidez das redes sociais, pelo país e sua diáspora, assumiu a simpática ousadia. Convocou os jornalistas e através de calmante, tranquilizou a opinião pública de que, alguns meliantes que assaltaram o coração castrense, entrando por um dos principais portões, quatro tinham sido neutralizados com vida.
Até aqui, tudo bem, salvo algum ruído nos ouvidos de quem prestou serviço militar naquele espaço, vigiado vinte e quatro horas do dia, trezentos e sessenta e cinco dias do ano e por várias equipas armadas, a questionar o acesso, inacreditável, de quatro intrusos civis e desarmados, eventualmente, facultado pela senha secreta noturna.
Preocupante, alguns fugitivos que conjuntamente com os detidos, pretendiam apossar de armamento para assassinar as altas figuras do Estado e das Forças Armadas, segundo o governante, fugiram em carrinhas (sumidas pelo vento) e estava em curso a caça ao homem – políticos da oposição – com a imediata detenção nas respetivas residências do mandante e financeiro, nas pessoas de Arlécio Costa, anteriormente seu aliado partidário e, Delfim Neves, presidente cessante do parlamento e seu adversário político, (ilibado no período instrutório, por falta de provas) que deveriam ser entregues pelos militares, nas horas subsequentes à justiça civil, o que não aconteceu, sem muita batalha jurídica e, não só.
O tempo voava na auto-estrada aberta às provas dos factos, com a flagrante violação à sacrossanta hierarquia militar, identificando suspeitas em toda a narrativa, derivado do voluntarismo do 1º ministro em usurpar funções ao Comandante Supremo das Forças Armadas, (o presidente da República), ministro da Defesa e Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (Brigadeiro Olinto Paquete, por não conviver com a conspiração militar, bastou cinco dias, pediu e foi aceite a demissão do cargo), assumindo ser o porta-voz da ocorrência, contrariado quase em simultâneo, por fotos e vídeos nas redes sociais, demonstrativos de execução sumária de quatro civis na parada castrense (um deles, detido em casa), pela gratuita raiva das chefias militares, incluindo a cólera do guarda-costas do chefe do governo, militar no lugar errado e na hora errada, ou seja, deveria estar fora do palco sanguinário, na proteção da vida do 1º ministro. No final do dia, a entrevista do vice-chefe do Estado-Maior, Armindo Rodrigues, em mais uma desobediência hierárquica, pintando o teatro de guerra e sangue humano, desautorizou toda a boa intenção matinal do chefe do governo.
Um trampolim oportuno e rapidíssimo – sem gasto do débil tesouro público – a Indico. No sábado, dia 19 do mês findo, na vadiagem madrugadora pela CPLP e, muito em especial, na altura por Moçambique, para vasculhar e recolher os dados do escrutínio presidencial e legislativo do passado dia 9 de outubro, naquele país, me vi consternado, revoltado e naufragado, uma vez mais, no sangue humano, de dois excelentes cérebros, Elvino Dias, assessor jurídico do candidato presidencial e, Paulo Guambe, mandatário nacional do partido PODEMOS, oponentes ao poder e candidato da FRELIMO, Daniel Chapo. Os dois jovens, devotos da Democracia e liberdade eleitoral, foram brutalmente assassinados, incrivelmente, com mais de vinte disparos contra a viatura em que seguiam, através de AK47, a arma militar e dos serviços de defesa e segurança moçambicana, em plena noite da avenida Joaquim Chissano, – apreciei a condecoração ainda na vida do antigo presidente da República – na capital Maputo.
A polícia moçambicana que jamais esclareceu os anteriores assassinatos políticos, sem tempo de investigação, correu relâmpago a limpar as mãos sujas de sangue jorrado de dois ilustres jovens que expunham de muito para utilidade profissional e política a Moçambique (país em “blackout”), com o sustento criminal dos dois assassinatos e uma terceira vítima hospitalizada, serem produtos de crime passional, desenquadrado de protestos às irregularidades e aos atropelos eleitorais, assumidos por vozes moçambicanas de vocação, política e religiosa, autorizada.
Das provas propagadas pelo candidato presidencial, Venâncio Mondlane, algures na África do Sul, devido as ameaças de morte por ser crítico de fraudes grosseiras, silenciamento da Democracia, afronta pela polícia, violenta ao direito cívico de manifestar, disparando a matar, que já lhe abriu e aos seus apoiantes, um processo-crime, os telemóveis dos dois jovens assassinados, foram destruídos pelo esquadrão da morte e recolhidos os invólucros das munições, enquanto vão surgindo notícias de lamentar, com prisões, perseguições e mais assassinatos dos jovens ativistas de PODEMOS.
Munido de sentimento de condenação ao hediondo crime de Moçambique, preocupou-me, e de que maneira, a vida de Miques Bonfim, o advogado são-tomense, ameaçado de morte pelos assassinos de 25 de Novembro em liberdade e encobertos pelo protecionismo do presidente da República, Carlos Vila Nova; dos deputados de ADI e MCI-PS/PUN; de PGR; dos juízes e da própria Ordem dos advogados; do primeiro-ministro e, tudo indicia, muito brevemente, do novo líder do MLSTP, presidente sem bússola e em contra corrente à atualidade política (manipulada Revisão da Constituição para o presidencialismo, Reforma da Justiça e “inventona” do Estado). Visivelmente, exposto à embriaguez da Rosema que, em setembro, lhe mobilizou os votos, sem o prévio trabalho de casa, na primeira aparição política, impensável, em auto menosprezo a chefe do governo para que foi o eleito a concorrer, em 2026, correu que nem mendigo, a dormir sono nos braços do 1º ministro, seu adversário político, cuja doutrina, é o abate das vozes oponentes. Longe dos holofotes, com que próxima facada, de olho leve, o Américo Barros, trairá o MLSTP?
Os juízes e a Ordem dos Advogados, contaminados por olho leve, viram e acreditaram nas mesmas fantasmas soltas e atormentadoras da madrugada de 25 de Novembro, comungaram da condenação de Lucas, o sobrevivente gravemente torturado pelos militares e, cometem tumultos públicos, desde que os interesses individuais ou de grupos, em que se aglutinam, não lhes sejam a favor.
Na mais recente animação folclórica, andaram na praça pública com gritos jurídicos e unânimes de que o Acórdão nº10/2024, de Roberto Raposo e seus pares constitucionais, excetuando a conselheira Kótia Menezes (desta vez, não deu desgosto aos seus mestres), é mais uma falcatrua e o exemplo do não Direito, contrariando a julgamento da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, consubstanciado no poder do Tribunal Constitucional, conforme os artigos 77.º, 78.º e 93.º da Lei Orgânica da supra instituição.
O país vive uma oportunidade extraordinária e desafiante ao sistema judicial e Procurador Geral da República, Kelves Nobre (fresco de frete parlamentar e presidencial na dilatação da sua missão), oferecida pelo advogado Miques Bonfim com a queixa-crime contra o 1º ministro e o secretário-geral de ADI, nas pessoas de Patrice Trovoada e Elísio Teixeira, deputado, testemunhas primordiais da madrugada de sangue e, consecutivamente, apetrechados de presunção de inocência, de tranquilizar e esclarecer a sociedade são-tomense e, não menos, devolver espelho com possível brilho à justiça com que os seus atores no porta-estandarte, vêm trocando o peso às duas medidas, enquanto muleta dos políticos no poder para que, em troca, nas luxuosas viaturas do Estado e contas recheadas, serem enxovalhados na praça pública de prestarem advocacia de olho leve.
A instituição que é comum, está a sair bem nisto tudo, são as Forças Armadas, silenciadas pela farsa do Tribunal Militar, forjado de um quadro ilegal para mascarar legalidade gerida por suspeitos, graduados pelo XVIII Governo que mantém “sine die” no cárcere, dezenas de soldados. Apesar de mentiras caricatas, lhes ministradas pelo advogado de defesa militar para uso nas audiências do tribunal do juiz Edmar Teixeira que, num folclore judicial, não assacou responsabilidades criminais às chefias militares para a certificação da verdade, vista e revista nas provas dos factos, preferiu condenar o civil Bruno Afonso, o massacrado Lucas, dizia, os prisioneiros recusam ter visto fantasmas na macabra madrugada, provavelmente, o maior receio do chefe do governo que, na precariedade do país, não dá folgas as viagens faustosas ao estrangeiro, – anda por Azerbaijão, Chipre e Marrocos – e assinou por baixo, sem contestação executiva, a indemnização de 400.000€00 (quatrocentos mil euros) para o subserviente partidário, Américo Ramos, o governador do Banco Central, como expediente de corrupção, dentre outros engajamentos ilícitos de subsídio financeiro à ADI.
Para dois pesos e duas medidas, o mesmo defensor das Forças Armadas, atual presidente da Ordem dos Advogados, Hérman Costa, assumindo ser a lei, como mimetismo espelhado de rotina e na declaração do 1º ministro contra os médicos, na recente greve pela Saúde e pelas exigências de salvar vidas humanas, ofereceu os préstimos da organização para dar formação de Direito aos analfabetos do Tribunal Militar, quiçá, lhes facultando mais malabarismos de validarem os fantasmas perseguidos pelas chefias militares que, por excedente de zelo e honra à Pátria e Bandeira Nacional que juraram defender, sequestraram, torturaram e executaram na parada militar, por gratuita raiva, olho leve e a sangue frio, quatro civis desarmados: Arlécio, Armando, Into e Izaque.
Uma última consideração. Liderança alguma compadece com a fuga para frente, nem na mediocridade do Estado sobrepondo meritocracia individual, optada na rejeição do brilhantismo jurídico internacional de Jonas Gentil, o primeiro classificado do concurso público, favorecendo o juiz Dany Nazaré, terceiro classificado, quem por ética e respeito também pela Mulher (segunda classificada, Isabel Vera Cruz), na minha humildade supervisionada pelo escrutínio de perícia e sabedoria, aguardava sua recusa à sujeira parlamentar “adista” de assumir a cadeira que não lhe pertencia, por inteligência jurídica, na vaga do Tribunal de Contas.
Para concluir, uma curta linha à ONU que vai enviando ao país – similar ao cessante governo do PS, através de António Costa e João Cravinho, anteriores 1º ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, que na altura, estiveram nas ilhas com a almofada política, jurídica e financeira à trapalhada sanguinária do poder são-tomense, proibidos por exemplaridade democrática ocidental em atenderem a pulsação da oposição parlamentar – o Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a África Central, Abdou Barry, o diplomata, ignorando conflitos que devastam sociedades humanas, pela ausência de diálogo entre os adversários políticos, aquando de sinais preocupantes, isto é, desde 25 de Novembro de 2022, se simpatiza com o poder e, jamais reuniu com o maior partido de oposição que tinha outra versão do massacre militar, ou seja, de voo em voo, consolida a parcialidade da justiça no volante da crença à “inventona” do Estado.
Há dias, cumpriu mais um regresso ao país do medo, silêncio fúnebre, aumento de assimetrias, êxodo da população ativa, ao estrangeiro, espelhados nas cicatrizes sociais, após a barbaridade militar, e da ameaça governamental, em fechar a rádio privada de debate livre das grandes questões da atualidade, perante a toxidade da imprensa do Estado, para num faz-de-contas das Nações Unidas, elogiar o exemplo da democracia são-tomense, anunciar “cacau” às próximas eleições e garantir a continuidade de apoio financeiro aos sectores da justiça e segurança, em que a organização já esbanjou 2,5 milhões de dólares.
Não interessa como tapar o sol, vale apenas a ética da convicção do 1º ministro?
Para virar de páginas, qual o intelectual, conselheiro de Ação Democrática Independente e amante do povo resignado, recusando ser fiel membro de um culto sufocante e cúmplice da madrugada assassina, possa abandonar a zona de conforto e, publicamente, aconselhar o líder partidário e 1º ministro, em se defender das acusações, nas instâncias judiciais imparciais, ao invés de banalizar a queixa-crime contra si, quando sugere banco de réu ou psiquiatria ao advogado Miques “Bom Fim”?
José Maria Cardoso
10.11.2024